Quem sou eu? O que faço

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João Pessoa, Paraíba, Brazil
Quem sou? O que faço. Sou Maria de Lourdes, tenho, agora, 62 anos, esposa, mãe e avó, formação jurídica, com pós graduação em Direitos Humanos e Direito Processual Civil, além de um curso não concluído de Filosofia. Conheci os clássicos muito cedo, pois não tinha permissão para brincar na rua. Nosso universo – meu e de meus irmãos – era invadido, diariamente, por mestres da literatura universal, por nossos grandes autores, por contistas da literatura infanto-juvenil, revistas de informação como Seleções e/ou os populares gibis. Todos válidos para alimentar nossa sede de conhecimento. Gosto de conversar, ler, trabalhar, ouvir música, dançar. Adoro rir, ter amigos e amar. No trabalho me realizo à medida que consigo estabelecer a verdade, desconstruir a mentira, fazer valer direitos quando a injustiça parece ser a regra. Tenho a pretensão de informar, conversar, brincar com as palavras e os fatos que possam ser descritos ou comentados sob uma visão diferente. Venham comigo, embarquem nessa viagem que promete ser, a um só tempo, séria e divertida; suave e densa; clássica e atual. Somente me acompanhando você poderá exercer seu direito à críticas. Conto com sua atenção.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

O MISTÉRIO DA PAIXÃO

FÉ, AMOR E SECULARIDADE.


Mais de dois mil anos se passaram. Homens e mulheres sofreram tantas mudanças que por vezes há dificuldades em sabermos quem é quem.  O mundo sofreu todos os tipos imagináveis e inimagináveis de mudanças. O Planeta modificou seu aspecto externo, seu relevo, sua temperatura, tudo; vivemos continuamente sob mudanças, até porque há uma incessante troca de energia e massa na natureza  além da frenética  interferência humana.


A primeira vista parece ser impossível que algo neste mundo em eterna ebulição  possa permanecer imutável por dois mil anos. E o melhor, que nós façamos parte desse contexto. Não pensem que fiquei maluca. Estou sã, até que me provem o contrário. Domingo de Ramos, na Igreja, em plena celebração, me peguei questionando o porquê do sacrifício do Cristo ser tão presente, ser capaz de emocionar, levar à profundas reflexões, ditar condutas, condicionar nossas escolhas.


É por mais que sejamos levados a evoluir em nossas vidas, que passemos a nos prover de intenções direcionadas ao autoconhecimento, ou mesmo que adotemos as costumeiras diretrizes do dia a dia e palavrinhas que nos contextualizam com a realidade, somos surpreendidos como ainda guardamos em nosso íntimo o que nos foi passado por nossos pais, que já receberam dos seus de geração a geração.


Nós acostumamos à limitação dos fatos ao tempo em que eles são de alguma forma, interessantes para nossa vida, para a sociedade, para aprimorar conhecimentos ou qualquer coisa que o valha.  Muita coisa foi guardada na memória da humanidade, mas nenhuma delas consegue aproximar-se do marco memorável que demarcou a história, a fé, o amor, a paixão e a compreensão do Sagrado.


Há, entre todos os acontecimentos que a humanidade testemunha um MISTÉRIO impossível de ser ignorado. Um acontecimento capaz de retroceder o relógio secular, de materializar desígnios Divinos e iluminar a humanidade sobre a ação e a obra de DEUS.


Falo da PAIXÃO DE CRISTO. Um momento único na história da humanidade. Iniciado com a Anunciação do Anjo a Maria e do seu sim, traduzido singularmente no Magnificat, o seu canto de amor. A história de amor e de aceitação tem muitos personagens. À Maria, mãe do Salvador, foi indispensável o suave amor de José,   que o fez acreditar, protegê-la, desposá-la e, sobretudo, amar a Jesus portando-se como um Pai e, numa lição espetacular de humildade ensinar, ao Rei dos Reis, o humilde ofício de carpinteiro.


A História da Paixão de Cristo atravessa os séculos, desafia a humanidade, a heresia, a apostasia, a agnosia, tudo e até mesmo as espalhafatosas declarações em busca de parâmetros para imagens a serem vendidas. Muitos lembram a polêmica frase atribuída a um Diretor da  “White Star Line”  sobre o TITANIC: “Nem Deus afunda o Titanic.” A frase imputada a Jonh Lenon, um dos Beatles: “Nos somos mais famosos que Jesus Cristo”. Uma  atitude de  Cazuza, que num show no Canecão deu um trago num cigarro de maconha, olhando para o alto e soltando a fumaça  afirmou: “Deus essa é para você”. Todos se foram, todos morreram, Deus permanece e Jesus ressuscita todos os dias. 


Pois é, a Paixão de Cristo está cada dia mais viva. Não se trata apenas de fazer memória. Não é teatro, não é a busca pela desejada panacéia, é muito mais que todas as coisas que possamos imaginar. Talvez o segredo esteja no fato de que a Paixão é alimentada pela Fé. Nós, católicos, acreditamos que Jesus, o Cordeiro de Deus, através de seu sacrifício nos inseriu num novo projeto, deu-nos uma nova chance   de um dia alcançarmos a verdadeira Paz. Mas, a Fé não é algo que se planeje, se calcule ou mesmo se possa transferir a terceira pessoa. 

A Fé, em mim, é um sentimento profundo de entrega e certeza. É confiança, esperança com credibilidade ante a verdade emanada de um processo construído  no mais íntimo de meu ser. A Fé renova ano a ano a Paixão de Cristo. Ela é portadora da Boa Nova, ela nos diz que todos os dias, Jesus se sacrifica para que sejamos melhores e possamos ajudar um aos outros.



A Fé é filha do Amor. Daquele que transcende à materialidade. Aquele que não necessita ver para crer. Aquele sentimento maior, capaz de superar distâncias geográficas, eliminar diferenças sociais, étnicas, religiosas. Amor universal, da humanidade por Deus, e de Deus por todos nós. 


O Amor gera todas as coisas e segundo Bento XVI, é o sentimento que procura o bem e a paz para todos os seres humanos. O Amor Ágape nos faz voltar no tempo, sentir a dor, a traição, o presente da Eucaristia, a infâmia das acusações, a omissão de Pilatos, a crucificação e morte, a ressurreição..., a mensagem para que sejamos pessoas melhores, nos amemos e propaguemos o  porquê da vinda, morte e ressurreição do Cristo.


O Amor está presente em nossas vidas até quando não o sabemos. Existe amor no bom dia que você dá a um desconhecido, valorizando-o, lembrando-o de que está vivo, é um filho de Deus. Igualmente existe amor quando nos dedicamos e damos o melhor de nós mesmos no nosso trabalho. E o que dizer do olhar carinhoso, do sorriso amigo que dedicamos no dia a dia a tantas pessoas que nos procuram, muitas vezes apenas para ter com quem trocar duas palavras?


O Amor nos diz que a Paixão não foi em vão. O Amor testemunha a Graça, a Palavra, a doçura dos corações, a abertura para Deus, a conversão em reconhecimento de que o Deus Encarnado, o Verbo Divino, veio para Redenção de toda a humanidade e através dele pudemos entender o significado da obediência, da humildade, da paciência, da justiça, da constância e da fidelidade a vontade do PAI.


A PAIXÃO DE CRISTO É REAL, ATUAL E CONSTANTE. Acontece todos os dias, nas pessoas que são imoladas em assaltos, assassinatos, raptos, torturas, humilhações, chantagens e todas as formas de negação ao Deus da Vida. Ela, a Paixão, mantém seus pilares. O nosso cotidiano nos mostra diuturnamente os agressores, a briga pelo poder, a bajulação ininterrupta, os modernos Pilatos que lavam as mãos, viram o rosto, escondem a corrupção, se negam a enxergar a dor, o horror, a fome, a ignorância.

Os personagens da Paixão estão todos aí, ao nosso redor. Cada um de nós pode ter tido o seu dia de Pilatos, quando nos negamos a ver as injustiças ao nosso redor. Quantas vezes fomos Pedro e negamos  Jesus ou quem sabe, um nosso conhecido ou mesmo desconhecido, pobre, maltratado, humilhado e que precisava veementemente de um gesto, uma palavra, uma ação?


Será que em nenhum momento de nossas vidas nos portamos como Judas Iscariotes, depositando nossas aspirações sobre outros, que não sonham os nossos sonhos e por isso “merecem” o beijo da entrega? Quantas vezes fomos Tomé e ignoramos os sinais, desdenhamos e somente acreditamos naquilo que se materializa diante de nós?


Essa descrença, essa ausência de compromisso cristão, essa forma distorcida de ver aos homens e a Deus crucifica todos os dias. Esse motor contínuo, essa lei imutável do nunca mais ao eterno retorno, nos faz consciente do quanto contribuímos para a nova versão da Paixão de Cristo. Mas nem tudo está perdido. A nossa Semana Santa não é feita apenas de Sexta Feira. A esperança renasce, Cristo Ressuscita e nós temos de volta a Promessa Sagrada de um lar eterno assegurado pelo sangue redentor do Cordeiro de DEUS.


 
A Páscoa acontece em cada coração, em cada consciência. Ela não é só a vitória sobre a morte, é, fundamentalmente, a vitória sobre o pecado, a regeneração que nos aviva e enche de esperanças. Jesus passa da morte para a vida, das trevas para a luz, o templo arrasado, colocado abaixo, está novamente de pé. As Escrituras foram cumpridas. Com a Páscoa celebramos o mistério da salvação pela ressurreição de Jesus Cristo. 


Todas as vezes que estendemos nossas mãos para os que necessitam de ajuda, todas as vezes que defendemos os que são injustiçados, todas as vezes que matamos a fome, a sede, livramos do frio e da vergonha aqueles que nos procuram, acontece a Páscoa em nosso âmago. É verdade, estávamos mortos pelo egoísmo, pela insensibilidade, pela omissão e por tantos outros sentimentos negativos e o nosso irmão, talvez até o último na escala social de nossa atualidade, nos resgata para Deus por um simples gesto de amor, por uma concessão à vida, ao projeto de Deus.

Tenho a absoluta certeza de assim como a PAIXÃO DE CRISTO REPETE-SE TODOS OS DIAS, É ATUALÍSSIMA, TAMBÉM O É A RESSURREIÇÃO, A PÁSCOA DO SENHOR.

sábado, 5 de abril de 2014

JOSÉ WILKER À SERVIÇO DA ARTE

O ESPETÁCULO NÃO PODE PARAR.


O amanhecer traz sempre renovação. Com ele pode chegar  o alento às nossas dores, a alegria de mais um ser humano entre nós, a confirmação de algo muito esperado...enfim, o leque de possibilidades é infinito. Infelizmente, também contamos com a admissibilidade de novos acontecimentos que são contrários aos nossos interesses, às nossas vidas e até mesmo a algo que temos como uma constantes  em nosso existir. Falo do entretenimento,  aspecto imprescindível  que podemos exercitar através das múltiplas formas de cultura ou através do lúdico. O nosso presente, cheio de tensões e encargos, não pode  dispensar o afastar-se, momentaneamente, de tais  obrigações até mesmo para manter a saúde física e mental. 


Pois é, acostumamo-nos á fantasia. Tê-la nos dá o escape necessário à sobrevivência. Assim, nada mais fantasioso que imaginar os personagens  como atemporais. Os heróis e anti-heróis não sofrem a ação do tempo. Quem, em sã consciência, imagina Macunaíma ou Capitão Gancho ou mesmo o Príncipe Hamlet adaptados à nossa atualidade? Imaginem, Macunaíma no melhor estilo Funk, com os cabelo louros, cheio de pinces e amante de tudo que lhe possa abrir a mente. Capitão Gancho com uma prótese de titânio podendo, inclusive, pegar, delicadamente uma flor no estilo bem me quer...mal me quer...  E o Príncipe Hamlet, formado em Filosofia, Teologia, Física  e Medicina não mais nutrindo qualquer curiosidade sobre a existência, vagando pela cidade no mais profundo ócio.



Os meus heróis não morreram de overdose. A bem da verdade faz parte do mito que o herói nunca morra. Não importa se de quadrinhos, produto de computadores, da criatividade de gênios das letras, do cinema, da televisão... pouco importa a origem, são imortais e, no máximo, abrem a cortina e pedem passagem para um outro plano. Sua obra fica entre nós.





Hoje o amanhecer trouxe  um tom cinzento. Nuvens de chuva sobre o litoral emprestando à paisagem um tom melancólico. Não sabíamos, mas a natureza chorava para nos revelar que JOSÉ WILKER, alguém cujo arco de vida se estendera nos palcos desse imenso Brasil, partira de uma vez por todas para a fama, levando consigo algo que homem nenhum poderá roubar: uma imagem construída ao longo de sua vida artística e que se caracterizava  por sua capacidade intelectual, seu talento, sua presença marcante em cena.



Um Artista fantástico. Ator, Diretor, Narrador, Apresentar, Critico de Cinema. levava o público ao deleite nos palcos do Teatro, no dia a dia da Televisão, nas telas do Cinema. Cearense, 66 anos, deu vida a inúmeros personagens em 36 Telenovelas, 4 Seriados, 3 Minisséries. Dirigiu 2 telenovelas, 1 seriado e 1 filme. Atuou em mais de 40 filmes. Seu último trabalho na televisão brasileira deu vida ao médico Dr. Herbet em AMOR A VIDA.  



Foi casado  com as atrizes Renée de Vielmond com quem teve uma filha de nome Mariana;  Guilhermina Guinle;  Mônica Torres mãe de sua segunda filha chamada  Isabel e, por último a Jornalista Cláudia Montenegro,  que é mãe de sua filha Madá.  Uma existência impactante. Um homem que embora se dissesse agnóstico, colocava amor em tudo o que fazia.
   

Falo, já com saudade, de seu rosto expressivo sempre com um quê de "você que sabe". Um artista completo. Brilhante em tudo o que fez. Detalhista, foi um intérprete como poucos, capaz de levar o público ao riso ao choro; do endeusamento à raiva, em questão de segundos. Zé, como gostava de ser chamado, com seu riso enigmático e sua voz potente, sensual, dispensava a barriga tanquinho, as pernas poderosas ou outras tolices que escravizam os pseudos galãs de hoje.



Nele, tudo era muito, muito visceral.  O olhar parecia penetrar as pessoas. Sua estatura crescia a medida que falava. Sua personalidade envolvia a todos. Parecia estar, constantemente, sob luzes. Acredito que refletia dons, qualidades inatas e que não o deixavam ser apenas mais um ZÉ.



Entre os personagens que mais fizeram sucesso visualizo: MUNDINHO FALCÃO, na primeira versão da novela Gabriela. Um jovem, inteligente, determinado e apaixonante exportador Baiano que derruba o Cel. Ramiro Bastos, casa-se com sua neta Gerusa, tornando-se o novo Intendente da progressista cidade de Ilhéus. VADINHO, o marido falecido na obra de Jorge Amado, "Dona Flor  e seus dois maridos" . Um vulcão em erupção, aparecia nu nas horas mais inconvenientes e deixava em fogo a ex-viúva. LORDE CIGANO, de By by Brasil, um dos sucesso do ator no cinema, sob a direção de Cacá Diegues; no filme, rodava o País numa trupe mambembe vendendo ilusões, inclusive,  prometendo neve para o Brasil. ROQUE SANTEIRO, seu personagem de maior sucesso. Emblemático, o que era sem nunca ter sido, Santo Fujão, que está sempre associado a figura do ator. GIOVANNI IMPROTTA, bicheiro exagerado,  misto de manda chuva e capacho de uma paixão, mostrava sua satisfação exclamando: Felomenal. Encarnou a figura do Presidente JUSCELINO KUBITSCHEK, na Minissérie JK, na segunda fase, tornando-se  o político, cujo riso em nada devia ao original.  Uma interpretação a altura de seu talento. 


Soube ser mau. Mostrou-se antiético, violento, agressivo. Foi convincente ao extremo, vivendo o Deputado pistoleiro TENÓRIO CAVALCANTI no filme O HOMEM DA CAPA PRETA que protagonizou o famoso Caso Imparato e a tentativa de assassinato a Antônio Carlos Magalhães. Wilker convenceu a todos do quanto podia tornar-se asqueroso, com o Coronel JESUÍNO LACERDA e seu temido bordão: "deite que eu vou lhe usar", no remake de Gabriela. Moldou um ZECA DIABO feio, de cara fechada e livre de censuras para a versão cinematográfica do BEM AMADO em 2011. O seu canto do cisne na televisão foi na novela Amor à Vida onde viveu o melancólico Dr. Herbet, um homem dividido entre o passado e o presente.



Pensar José Wilker é como abrir uma obra de arte que você leu, releu, retorna  a leitura  e sempre encontra coisas novas e que você e eu, nós havíamos deixado escapar. Sua vocação para camaleão nos deu a oportunidade de vermos os tipos mais controversos possíveis. Interpretar  para ele era transformar-se e adotar expressão tão diferentes que sugeria a presença de outra pessoa. Um homem bonito, charmoso e sugestivo de uma boa pegada. Uma bela voz, um timbre cheio, sensual. Um Homem, um Artista, um fazedor de ilusões. Deixa saudades e na orfandade pessoas que riram, choraram, amaram, sofreram, sonharam, odiaram, aplaudiram e esperaram o dia seguinte para, mais uma vez, beber da fonte mágica de seu talento.


Acho que no céu estão ensaiando um grande espetáculo. Nesse ano foram chamados para cantar lá em cima: Nelson Ned, Milky Mota, Márcio Vip, Dino Franco; para animar a festa Marly Marley, Virgínia Lane, Paulo Schroeber, Nonato Buzar, Canarinho e, para atuar, Nico Nicolairewsky, Arduíno Colassanti, Paulo Goulart e nosso amado José Wilker, todos sob a câmera humanista e documental do inesquecível Eduardo Coutinho. Que cada um deles tenha encontrado a sua morada na casa do Pai. 

Aplausos para a cortina que se fecha!





terça-feira, 1 de abril de 2014

31 de Março de 1964

UM DIA DE MUITAS FACES!





Uma tarde como outra qualquer.  Um filme exibido numa sessão chamada “Cinema de Arte”. Na tela, Audrey Hepburn dá vida a jovem Gabrielle Van der Mal, filha de um famoso cirurgião, que resolve jogar tudo para o alto em busca de seus sonhos: torna-se  freira, faz votos de obediência, pobreza e castidade, dedica-se a seus estudos de Medicina e  espera ser enviada a África. Após anos trabalhando em enfermarias é mandada para o Congo e ali conhece um médico ateu, cínico e brilhante profissional interpretado por Peter Finch. 


Daí fatos que justificam o título e as interpretações dos protagonistas tornam o filme, realmente, uma obra de arte. Aos doze anos, acompanhava minha mãe, amante da sétima arte, e fomos surpreendidas na saída do cinema. Eram 18h e 30min,  o rebuliço, o corre-corre e a aflição das pessoas mostravam que havia algo assustador: ocorrera um golpe de Estado, o Presidente fora deposto.  Enquanto nos comovíamos com a ilusão, a vida escrevia uma história bem mais emocionante.


O País continuou em polvorosa. Entre os dias  31 de Março e 1º de Abril de 1964, abateu-se sobre nós, como se fosse uma lâmina afiada, o  estranho golpe de Estado que declarou vaga a cadeira Presidencial, pelo Exercito Brasileiro e não pelo Poder Legislativo, conforme previa a Constituição. O pronunciamento desencadeou uma sucessão de fatos que se estenderiam por 21 anos, ecoando na sociedade e na memória do povo brasileiro. Instalara-se uma revolução que se propunha a devolver aos nacionais o Estado Brasileiro, bem como a legalidade e, abortar, no seu nascedouro, a concretização do poder nas mãos de comunistas. 


Ideologias à parte, os acontecimentos ocorridos há 50 anos e que por razões diversas fizeram de João Goulart protagonista, no olho do furacão, impuseram à nação perseguições, intolerância, barbárie,  medo, ódio, traumas, torturas, desaparecimentos, mutilações e mortes.


O horror, digno de caprichosa ficção, não privilegiou vítimas. Assim como para a inquisição, ao novo Estado brasileiro tudo era motivo para imposição de pesados fardos. Os Militares em consenso com Empresários, autores do golpe, apoderaram-se da História e tentaram escrevê-la ao sabor de sua ordem, suas crenças. Chegaram, assumiram o Poder, estabeleceram um regime de exceção e jugo onde validaram suas práticas e não aceitavam insurreição. O Presidente foi transformado num inimigo da nação e pseudo mentor de um golpe de esquerda que transformaria o Brasil numa nova Cuba.


A história da revolução, com seus aspectos tristes, suas manobras e seus Generais já foi contada e recontada milhares de vezes. Igualmente o foi a saga dos que estavam do outro lado, os resistentes que integravam a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR; o Comando Geral dos Trabalhadores – CGT; a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria- CNTI; a UNE - União Nacional dos Estudantes,  além de outros jovens, estudantes ou não, em milhares de Centros Estudantis e Operários, espalhados no Brasil a fora; intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, economistas, professores, religiosos, donas de casa,  gente de todos os confins, todos os credos e todas as raças.


Rompida a Lei pela conspiração, subvertido o povo brasileiro pela estupidez da tortura, dos assassinatos, da luta fratricida onde a delação funcionava como moeda de troca, aquilo que se dissera e se apresentara como passageiro tornou-se permanente, naufragando, cometendo erros crassos como combater o terrorismo implantando um “terrorismo de direita”; buscar a erradicação da resistência pela mordaça, pelo sepultamento em vida através da clandestinidade. A revolução foi, aos poucos, anarquizada, moralmente falida e incapaz de se sustentar num discurso corroído de defesa das instituições nacionais.


Mas como em todos os fatos Políticos as baixas ocorreram para todos os contendedores. A guerrilha urbana, os combates no Araguaia, as ações nos “aparelhos”, também produziam órfãos, viúvas, segregação das famílias, enganos, seqüestros, torturas e mortes. 


A minha memória registra o terror das famílias por seus filhos, isso em relação aos militares e também à militância. Patrulhas ideológicas existiam em ambos os lados e as intervenções na vida íntima desconheciam barreiras. Para os militantes não havia família – ela desvirtuava a luta e desviava o “companheiro” de suas convicções. Também não se podia falar em envolvimentos amorosos, tão combatidos quanto os laços familiares, esses poderiam oportunizar mudança de rota e entrega de companheiros.  Apenas os líderes puderam reconhecer seus amores e mesmo assim em momentos que se mostravam interessantes á causa. 


Cinquenta anos não passam sem deixar marcas. Mortos continuam sem identidades. Desaparecidos são, pouco a pouco identificados em extremadas confissões recheadas de cenas macabras muito além da ficção.   Vivos, modificaram-se de tal forma que no melhor estilo “Chico Buarque” se pode pensar e dizer: ...Quem te viu, quem te vê. Quem não a conhece não pode mais ver pra crer. Quem jamais esquece, não pode reconhecer...”


Militares que  eram os senhores da situação, determinavam os que deveriam ser cassados e caçados. Presentemente, os sobreviventes ao tempo, são pálidos reflexos do que foram um dia. Doentes, alquebrados, remoídos por suas lembranças ou se escusam a falar sobre a revolução ou, como aconteceu recentemente, abrem-se em relatos pavorosos, não se sabe se buscam diminuir seus fantasmas, elucidar mistérios ou mesmo esclarecer o quanto desumano pode ser o poder absoluto.


E os mortos? Os dois lados concordam na justificativa de suas perdas. Cada um de per si afirma, sem qualquer drama de consciência que foram heróis mortos em combate na defesa da melhor ideologia para o País. A violência foi inominável. É impossível contabilizar o número de mortos. Alguns fatos, todavia, não podem ser negado. Os assassinatos, os erros, o reconhecimento da ditadura como  tragédia, a indignação, os efeitos que eclodiram e perduraram sob a sociedade brasileira, são manifestações inegáveis de consciência social.

Sem perder de vista a conotação que os adversários se atribuíam pergunta-se: como estão os heróis da revolução? 


Os militares e simpatizantes perderam o posto heroico, tornaram-se vilões, alguns tiveram seus nomes apagados de placas que lhes homenageavam,  submetem-se,  atualmente, ao comando dos que perseguiam, torturavam. Os militantes deram a volta por cima, ocupam altos postos. A Presidência da Republica, como é fato público e notório, é exercida por uma ex-militante, ex-guerrilheira. Cultua-se,  ou cultuava-se  o mito do guerrilheiro heroico.


Bom, a historia nos revelou traições entre os guerreiros do Socialismo e/ou Comunismo. As delações dos guerrilheiros do Araguaia têm nome, e o traidor se arroga a condição de grande companheiro, sustentando o direito de continuar vivendo da glória do enfrentamento por ter sido opositor na Revolução Militar de 1964. 


Muitos nomes rolaram na lama, por crimes de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato. O Brasil que está há quase doze anos sob o governo do Partido dos Trabalhadores constata que o discurso em pró das minorias e a ética anunciada reiteradamente, cedeu lugar ao cinismo, a improbidade, a absorção das práticas que repudiavam e, principalmente, ao crime de lesa-pátria, considerando-se que  os cofres públicos foram sistematicamente espoliados e jogados num lamaçal sem precedentes. Instituições e cargos nunca dantes emporcalhados em tão grande escala foram arrastados com seus ocupantes numa teia pegajosa reforçada por propinas.


Alguns insistem, ainda, numa imagem de compromisso social e, contraditoriamente estão presos ou livraram-se de condenações em face do “pulo do gato”, patrocinado pelas melhores Bancas Advocatícias da nação. É, os militares não são mais os mesmos, perderam o comando e a força. Os ex-militantes também não guardam as boas características da juventude, perderam o brilho. Acreditam estar acima do bem e do mal. Defendem a corrupção, se agarram a postos, posições sociais, vantagens econômicas e financeiras como se estivessem resgatando algo que por direito lhes pertence. 



Do passado não se pode apagar sequer a queda de uma folha. Conviver com a História de um País tem que ser bem mais do que andar com um retrovisor em busca de culpados. As lições que podem resultar de erros reiterados devem levar a sociedade a repensar suas escolhas e, os dirigentes à compreensão de que exercer a cidadania é também opor-se, ao Estado, as autoridades, as ideologias e doutrinas.   Por amor a Justiça questiono: Os Militares que hoje são, de alguma forma, afetados pela determinação de prestar contas a Comissão da verdade, do porquê de espaços do Exército terem sido usados para atividades de repressão, estão obrigados a fazê-los?

Pobre Brasil. Pobres criaturas, militantes e familiares, militares e familiares imoladas nos altares de suas crenças de Justiça Social, a esses,  que deram suas vidas, sacrificaram seus sonhos e seu amores por uma Pátria melhor, mais justa e mais igualitária,  A MINHA HOMENAGEM.